quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

36 Argumentos para a Existência de Deus

   
William Lane Craig
 
Eu devo confessar que não tenho a paciência de ler livros como esse nem os acho divertidos. Como um filósofo, eu quero premissas e argumentos de suporte sem ter que peneirar o “trigo filosófico” do “joio” de uma narrativa popularesca de ficção. Felizmente, o livro traz consigo um apêndice de 36 argumentos com  nomeações claras e suas respectivas premissas e argumentos de apoio. Por isso, eu fui capaz de ir direto ao ponto e ver o que Rebecca Goldstein tem a dizer sobre o meu argumento favorito, o Argumento Cosmológico (número #1 na sua lista). E eu fiquei simplesmente horrorizado.
Veja, eu escrevi, recentemente, um artigo de nível popular sobre “The World’s Ten Worst Objections to the Kalam Cosmological Argument”" [As Dez Piores Objeções do Mundo ao Argumento Cosmológico Kalam] coletadas diretamente do Youtube e da Internet. Mas eu deveria ter lido o livro de Goldstein primeiro. Eu nunca vi em lugar algum, nem na Internet ou no YouTube, uma caricatura tão ridícula do argumento cosmológico quanto aquela feita por Goldstein. Ela fez os adolescentes da internet parecerem palestrantes da Gifford Lectures por comparação. [2]
Agora, Goldstein providenciou alguma base para seus argumentos amadores. No apêndice é alegado que eles são os 36 argumentos exibidos em seu best-seller e formulados pela protagonista da novela, a neo-ateísta Cass Seltzer. Goldstein poderia alegar, com alguma plausibilidade, que os argumentos no apêndice são uma represenção justa dos argumentos neo-ateus de hoje – “Então não me culpem por isso!” Mesmo assim, a sobrecapa do seu livro declara, “Em fundamentações puramente intelectuais, os céticos teriam tudo de seu lado. Mas as pessoas se recusam a aceitar os seus aparentemente irrefutáveis argumentos e continuam a aceitar a fé em Deus como sua fonte de sentido, propósito e conforto”. [3]
O quão risível tal postura é se torna evidente ao conferirmos os argumentos. Goldstein primeiro apresenta espantalhos e depois apresenta refutações ainda mais falhas dos mesmos. Por exemplo, aqui está a versão dela para o argumento cosmológico:
  1. Tudo que existe deve ter uma causa.
  2. O Universo deve ter uma causa (de 1).
  3. Nada pode ser a causa de si mesmo.
  4. O  Universo não pode ser a causa de si mesmo.  (de 3).
  5. Alguma coisa fora do universo deve ter causado o Universo (de 2 e 4).
  6. Deus é a única coisa fora do Universo.
  7. Deus causou o Universo. (de 5 e 6).
  8. Deus existe.
O engraçado é que Goldstein procede para apontar duas “falhas” nesse conjunto de afirmações simuladas como um Argumento Cosmológico. Ela sequer para para notar que ele não é nem só logicamente inválido, como também é um argumento circular, já que (8) segue de (6) sozinho, o que faria todas as premissas restantes não passarem de uma cortina de fumaça. Esse espantalho jamais foi defendido por nenhum filósofo na história do pensamento.
Então, qual é a falha que Goldstein descobre nesse argumento? Você já deve ter adivinhado, é claro: “Mas então quem causou Deus?”. O defensor do Argumento Cosmológico, segunda ela, deve ou dizer que Deus não tem causa, o que contradiria (1), ou que Deus é a sua própria causa, o que contradiz (3).
O problema com essa refutação é que nenhuma versão do Argumento Cosmológico encontrado nos trabalhos de seus maiores defensores afirma a premissa (1) de Goldstein. Ao invés disso, a premissa apresentada em seus argumentos será alguma coisa como:
1’. Tudo que começa a existir tem uma causa.
ou
1’’. Tudo que existe tem uma explicação de sua existência, seja na necessidade de sua própria natureza, seja em uma causa externa.
Versões do Argumento Cosmológico que apresentam (1’) afirmam que tudo que vem a existir deve ter uma causa (as coisas simplesmente não surgem do nada). Mas se alguma coisa existe desde a eternidade, então obviamente ele nunca passou a existir e não há necessidade de uma causa. Essa versão do Argumento Cosmológico deverá apresentar uma premissa afirmando que o Universo começa a existir, uma premissa sorrateiramente deixada de lado na formulação de Goldstein.
Outras versões do Argumento Cosmológico que apresentam (1’’), ao contrário, afirmam que tudo que existe, mesmo um Universo eterno, deve ter uma explicação de sua existência. Essa explicação pode ser de dois tipos: ou a coisa existe pela necessidade de sua própria natureza, o que lhe faria um ser metafisicamente necessário, ou, diversamente, deve ter uma causa externa, o que lhe faria um ser contingente. Essa versão do argumento terá então que apresentar uma premissa dizendo que o Universo não existe por necessidade e então deve ter uma causa externa em um ser que existe por necessidade de sua própria natureza e é a causa de todos seres contingentes.
Goldstein cria sua premissa (1) confundindo essas duas versões do Argumento Cosmológico. Ao combinar (1’) e (1’’) ela afirma uma premissa que nenhum proponente do argumento defende, que “Tudo que existe” – retirado de (1’’) – “tem uma causa” – retirado de (1’).
Curiosamente, Goldstein não acusa o Argumento Cosmológico de ter uma premissa falsa. Na verdade, o problema que ela encontra é “explicar porque Deus deve ser a única exceção”, ao invés do próprio Universo. Se ela tivesse reproduzido com boa-fé o Argumento Cosmológico e não essa caricatura, ela saberia a resposta para essa questão. Os defensores do primeiro argumento continuam e argumentam que o Universo começou a existir e então deve ter uma causa, enquanto os proponentes da segunda versão procedem para argumentar que o Universo não existe pela necessidade de sua própria natureza e, portanto, deve ser contingente. Essas são afirmações importantes e controversas; mas elas não serão discutidas se o argumento for tão deturpado ao ponto de essas premissas sumirem da formulação.
Já no argumento #4 “O Argumento do Big Bang”, Goldstein trata brevemente da evidência da cosmologia para o início do Universo. A “falha” que ela vê nesse argumento é: “Os próprios cosmologistas não concordam, de forma unânime, que o Big Bang é uma singularidade… O Big Bang pode representar uma surgimento lícito de um novo Universo de outro previamente existente". Essa é a falha? Desde quando um consenso universal é necessário para a evidência física confirmar uma hipótese? Além disso, a menção a uma singularidade é um red herring, uma vez que modelos com um passado finito, como o de Stephen Hawking e James Hartle, podem apresentar um início não-singular. Em 2003, Arvind Borde, Alan Guth, e Alexander Vilenkin provaram que qualquer Universo que está, em média, em uma expansão cósmica não pode ser eterno e precisa ter um início absoluto. O fato é que não há nenhum modelo fisico e matematicamente viável de um Universo que extrapole para um passado infinito. Se Goldstein pensa de outra maneira, vamos deixar ela nos apresentar esse modelo. No fim das contas, a física não lida com meras possibilidades. Possibilidades caem fácil. Nós queremos saber para qual lado a evidência aponta.
A segunda falha no Argumento Cosmológico de Goldstein surge a partir de que a nossa melhor definição de causa é “uma relação que existe entre eventos que estão conectados por leis físicas”. “Ao aplicar esse conceito ao próprio Universo é fazer um mau uso do conceito de causa, extendendo-o para um campo no qual não temos a menor idéia de como usá-lo”. Aqui, Goldstein está confusa. A questão relevante não é a definição de “causa”; para achar uma, basta olhar a palavra no dicionário. (E certamente a definição de Goldstein não serve: por exemplo, simultaneidade é “uma relação que existe entre eventos que estão conectados por leis físicas”; mas obviamente “ser simultâneo a” não significa ou implica em “ser causado por.”) Webster’s’ define “causa” como “uma pessoa ou agente que age, voluntaria ou involuntariamente, como um agente para trazer à tona o seu efeito ou resultado”. Nenhum problema aqui!
A questão importante é se nós podemos providenciar uma análise filosófica de uma relação causal em termos mais básicos ou se a própria idéia de causalidade é uma idéia fundamental. Por exemplo, alguns filósofos pensam em analisar uma relação causal da seguinte maneira:
Para qualquer entes x e y, x é a causa de y se e somente se
(i) Se x não existisse, y não iria existir e
(ii) Se y não existisse, x ainda iria existir;
Deixe que x seja Deus e y seja o Universo. Então, de acordo com essa análise, Deus preenche as condições para ser a causa do Universo, uma vez que se Deus não existisse, o Universo não iria existir; mas se o Universo não existisse, Deus ainda existiria. Então, contra Goldstein, a causalidade pode ser extendida além do Universo e nós temos uma idéia clara de como usá-la. Agora, eu não pretendo que essa análise de causalidade seja adequada para qualquer caso. Qual é a análise correta é uma matéria de grande controvérsia entre filósofos e muitos vão alegar que ela é um conceito puramente básico e irredutível. Mas perceba que a adequação de tais análises vai ser julgada por o quão bem elas convergem para nossas noções pré-filosóficas e intuitivas da relação causa-e-efeito. Você não precisa ter uma análise filósofica para reconhecer que tudo que começa a existir tem uma causa. Ainda há uma grande dose de coisas que podem ser ditas de uma maneira técnica (por exemplo, por que pensar, como ela alega, que a causação deve ser uma relação entre eventos e por que os eventos devem estar conectados por leis físicas?), mas vamos deixar isso de lado. Não é mais objecionável dizer que Deus é causa do Universo do que dizer que Tolstoi é a causa de Guerra e Paz.
Finalmente, Goldstein comenta que o Argumento Cosmológico é uma expressão do nosso espanto para a questão de “por que há alguma coisa ao invés do nada?” – para qual ela recomenda a réplica: “E se não houvesse nada? Você ainda estaria reclamando!”. Isso deveria ser engraçado, suponho, porque se existisse o nada, você não estaria aqui para reclamar. Mas não é exatamente esse o ponto? O nada não precisa nem pode ter uma explicação (não há alguma coisa para explicar ou ser explicada!); mas o fato que algo existe é um fato positivo que clama por uma explicação. Pensadores não-teístas reconhecem a profundidade dessa questão. O filósofo naturalista Derek Parfit, por exemplo, diz que, “Nenhuma questão é mais sublime do que porquê há um Universo: porque há algo antes do nada”.
É trágico que em uma época na qual verificamos uma renascença da filosofia cristã em um completo crescimento, o tipo de material encontrado no livro de Goldstein será aquele que está esperando para alimentar o público.
Notas:
1. Publicado originalmente em “36 Arguments for the Existence of God: Goldstein on the Cosmological Argument.” Christian Research Journal 34/01 (2010), pp. 52-53. Retirado do site Reasonable Faith.
2. Uma famosa palestra sobre filosofia da religião dada por pessoas famosas de alta distinção. Já participaram Alvin Plantinga, Richard Swinburne e Carl Sagan, entre outros.
3. Ou seja, mais uma aplicação do truque Ateus são fortes, Teístas São Fracos [Crença em Deus por necessidade]. Dessa vez, internacionalmente.

Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/#ixzz1hCjm7zAy
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