Ricardo Gondim
Não acredito na sorte. Não tenho medo do azar. Não vivo esperando que “tudo se ajuste no fim”. Creio que o Deus maquinista, aquele que conduz a história pelos trilhos de sua vontade soberana, é um ídolo.
Gente tem força de definir rumos. Nós estabelecemos destinos – somos pedra no caminho ou ponte que emenda rupturas; somos o fim de picada ou a avenida da possibilidade; somos péssima memória ou saudade sorridente; somos um ombro amigo ou a causa da úlcera.
Responsáveis de alguma forma por rostos felizes, curamos. Geradores de angústia, enfermamos. Nossa companhia carrega a possibilidade de fortalecer a autoestima ou de traumatizá-la. Ensinamos o como de dar a volta por cima ou empurramos para a lama.
Fomos criados para ser criadores. Na breve história humana sobram registros do processo como culturas ultrapassaram seus obstáculos. Se morder carne crua era difícil, aprendemos a cozinhar. Se a visão dos mortos apodrecendo a céu aberto aumanetava a dor, aprendemos a enterrá-los. Se mover um fardo levava tempo e desperdiçava energia, criamos a roda.
A história também teve o lado. escuro. Quando os movimentos de ir e vir pareciam incentivar a liberdade e ameaçar a autoridade do líder, inventamos as cercas. Para aumentar o domínio territorial e preservar a riqueza, organizamos exércitos. Para perpetuar o poder da tribo, refinamos a arte da guerra. Para fazer valer a chacina, colocamos Deus na equação da barbárie.
O futuro não chega apenas, nós o criamos. Redesenhamos o amanhã inédito. Evitamos o que considerávamos inevitável. O futuro chegou, por exemplo, para Maria, que os amigos feririam na escola. Por onde ela andará, o que sofre atualmente?
Quando o pai de Antônio o decepcionou, que futuro preparou para o filho? Os meninos, que o líder religioso navalhou, vivem qual destino? Em que medida a professora foi responsável pela sensibilidade, ou pela desgraça, do poeta? Como a mulher  resolve hoje o trauma de sofrer um abuso sexual na adolescência? Alguém pode rir, ou padecer, como resultado das ações de outras pessoas.
A palavra falada, a reação impensada, o elogio espontâneo, o comentário despretensioso, tudo serve de argamassa para a construção do amanhã. Fatalismo paralisa. Ingenuidade e passividade se confundem. Desdém e covardia mascaram. Deixar “rolar para ver o que acontece” pode ser apenas fuga. Crer que “Deus tem tudo sob seu controle e tudo acabará em bem”, desfigura a esperança. Não há escapatória: “o que será, será” legitima as aberrações históricas.
As estrelas não afetam a vida (elas estão longe demais). Se a lei da gravidade está certa, a massa das pessoas que nos rodeia exerce uma força tremendamente maior. O Deus enxadrista, que mexe com vidas como se fossem peões em um tabuleiro, não existe. Eis a questão essencial: em nossa liberdade, somos fator de sorte ou de azar?
Soli Deo Gloria