Deixe pra lá! Releve! Perdoe! 
 
Tenho percebido que essas são palavras difíceis para algumas pessoas, e fáceis para outras. E o que está por trás dessas atitudes me intriga. 
 
Parece que algumas pessoas têm uma grande capacidade de “deixar pra lá”, de relevar uma ofensa, de esquecer um agravo. É como se não se apegassem às coisas. Na hora da perda, não sofrem muito. Porém, não lutam tanto pelo que acham importante. Sem luta, não há vitória. 
 
Outras parecem incapazes de abrir mão. Então, tudo o que a vida lhes tira, produz a dor de um assalto, de uma violência. 
 
Entre estas últimas, as que mais me chamam atenção são aquelas que não “abrem mão” de suas razões. Seja em uma simples conversa, que acaba em discussão, seja em uma questão de direito, apegam-se às suas razões até às lágrimas. E se, após muitas lutas, essas coisas lhes são “tomadas”, entram em desespero de morte. 
 
As pessoas do primeiro grupo sofrem menos, por não se apegarem demasiadamente. Não lutam tanto, não retêm tanto. Não perdem muito, mesmo quando são abusadas. 
 
Entretanto, conheço gente que é capaz de se lembrar de todas as violências sofridas ao longo da vida. Coisas que lhes foram tiradas, batalhas perdidas, conversas encerradas, desconsiderações, injustiças, votos vencidos, estão todos lá, no depósito de passivos, de haveres, aguardando ressarcimento. 
 
Sim, a vida (que acaba assumindo nomes de pessoas) lhes deve. Se algo nunca foi entregue, então lhes foi tomado. Se nunca foi perdoado, ainda é “dívida ativa”. Se nunca foi esquecido, está registrado para oportuna cobrança. 
 
Talvez uma pessoa assim considere aquele que “deixa pra lá” um leviano. E talvez o que releva e esquece considere aquele que não “abre mão” um infeliz briguento. 
 
Lembro-me de ter “deixado pra lá” direitos de consumidor, só para não arranjar briga. Porém, lembro-me de ter “pendurado” ofensas, aguardando o pedido de desculpas. Recordo-me de ter dado razão a quem não a tinha, para preservar a amizade, e de ter “aberto mão” da amizade por não achar justo “deixar barato”. 
 
Certa vez, deparei-me com uma frase usada em um curso para noivos: “O que você prefere: ter razão ou ser feliz?” — como que a dizer que, se eu quisesse ter sempre razão, seria infeliz! Será que essa pergunta não nos ajudaria a definir melhor a qual grupo pertencemos? 
 
Eu confesso: naquele exato momento me descobri preferindo ter razão. E argumentei para mim mesmo que a felicidade, à custa do que é certo, não vale a pena. Senti-me como a formiga invejosa, criticando a alegria “irresponsável” da cigarra. 
 
Nesse momento, ouvi a palavra de Paulo aos coríntios conflagrados: “[...] por que não sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano?” (1Co 6.7). 
 
Ocorre-me então que talvez a atitude correta não seja o “deixar pra lá”, mas a entrega. Em vez de esquecer, entrego meus direitos, bens e razões ao reto Juiz. Assim, as coisas não ficarão sem consequência, sem julgamento, sem resposta. Contudo, estarei “deixando pra lá”, em um ato de fé, para ser feliz. 
 
Imagino que, por esse caminho, Deus me acrescentará o orar pelos meus inimigos e me alegrará ao vê-los abençoados.