Crentes montam ministério virtual para combater a pornografia sem recorrer ao moralismo.
Por Marcelo Brasileiro
“Eu levo uma vida dupla. Sou pastor em período integral, mas na maior
parte do tempo fico sozinho no escritório da igreja, baixando vídeos
pornô na internet. Sinto-me simplesmente incapaz de conter isso”. A
confissão, contundente em sua sinceridade, está na página virtual do
ministério SexxxChurch (www.sexxxcurch.com), uma iniciativa que mistura
muita originalidade, uma boa dose de ousadia e alguma polêmica. O site
se propõe a socorrer almas perdidas no universo da pornografia, uma
cadeia que a cada dia prende mais pessoas, inclusive crentes. Pelo menos
um em cada dez evangélicos tem coragem de assumir problemas nesta área.
Contudo, a quantidade deve ser bem maior, já que o receio dos efeitos
de uma confissão perante a família e a igreja faz com que muitos
prefiram ocultar o desvio de comportamento.
Mantido por uma equipe ligada à Igreja Projeto 242, uma comunidade
evangélica que fica no centro da cidade de São Paulo, o SexxxChurch não
foi feito para crentes, já que tinha uma proposta evangelística. Mas em
pouco tempo percebeu-se que a demanda principal estava situada do lado
oposto da trincheira. “A maioria dos e-mails que recebíamos eram de
pessoas que se identificavam como cristãos, membros de igrejas ou
líderes, e que tinham enormes problemas com o vício da pornografia”,
relata João Mossadihj, 25 anos, conhecido como Jota, um dos
idealizadores da página deste ministério evangélico nada ortodoxo.
Em pouco tempo, a idéia transcendeu o ambiente virtual. Praticamente
todo fim de semana, o grupo da 242 visita alguma igreja com o projeto
Pornix, voltado a palestras sobre sexualidade e pornografia. A procura
pelo serviço é grande, o que demonstra a extensão do problema nos
arraiais evangélicos. Mas o ministério também costuma evangelizar em
regiões como a da Rua Augusta, no centro da capital paulista, conhecido
reduto de prostíbulos. SexxxChurch também marca presença na Parada Gay,
ostentando camisetas com dizeres como “Jesus ama os atores pornôs”. Numa
demonstração prática do conselho de Paulo, que recomendou que os
cristãos fizessem de tudo para, de alguma forma, ganhar alguns, a equipe
já faz planos para alugar um estande na Erótika Fair, feira
especializada do mercado erótico que acontece em outubro em São Paulo. O
evento é uma prova do gigantismo de um setor que movimenta cerca de 500
milhões de reais ao ano apenas no Brasil – no mundo, são 60 bilhões de
dólares anuais. “Vamos distribuir bíblias estilizadas durante a feira”,
planeja Jota.
Mas é mesmo no mundo virtual que o SexxxChurch alcança números
estratosféricos. Segundo Jota, são 600 mil acessos mensais e duzentos
e-mails por dia. As mensagens são enviadas por gente nas mais diversas
situações – algumas fazem confissões das mais indecorosas possíveis. No
entanto, apenas 10% das mensagens são respondidas, contabiliza a
psicóloga Sâmara Gabriela Baggio, 28, que acompanha boa parte desses
casos. “Nós ouvimos e estabelecemos metas para a recuperação. Mas, para
isso, é preciso que o viciado esteja realmente arrependido”, destaca a
terapeuta. Para ela, não há limite seguro para o consumo de pornografia.
“A partir do momento que uma pessoa entra em contato com isso, as
imagens recebidas ou geradas na mente alimentam fantasias. Não demorará
muito para que se tente colocar em prática tudo o que foi visto e
fantasiado”, opina.
Dízimo e revistas pornô – O ministério direcionado a
quem se sente escravo da pornografia foi inspirado no trabalho do pastor
norte-americano Craig Gross, de 32 anos. Sua trajetória é semelhante à
de boa parte das pessoas que ele decidiu ajudar. Craig era um jovem
cristão que dividia seu dinheiro entre os dízimos e ofertas na igreja e
as revistas pornográficas nas bancas. Ordenado pela igreja East Side
Christian, em Fullerton, na Califórnia, ele criou a XXXChurch em 2002. A
diferença entre ele e muitos outros pastores que sacodem suas bíblias
no ar, esbravejando contra toda forma de imoralidade, está justamente no
seu modus operandi. Craig, que se autodenomina “pornopastor”, abomina
as abordagens moralistas, que já prenunciaram a queda de populares
televangelistas de seu país. É amigo do americano Ron Jeremy Hyatt, que
vem a ser o principal ator e diretor de filmes pornô do mundo, com quem
divide as bancadas de auditórios e igrejas para debates muitas vezes
acalorados.
Alheio às críticas que costuma receber de muitos setores da Igreja
Evangélica, sobretudo por conta de alguns conteúdos mais apimentados
veiculados no site, Craig caminha com desenvoltura pelo submundo da
pornografia. Dirige uma van estilizada com adesivos e adereços que
lembram uma propaganda de site pornográfico. O “Porn Mobile”, como é
chamado o veículo, já gerou até tumulto ao ser estacionado em frente a
uma igreja evangélica. “A pornografia está conduzindo muita gente a um
beco sem saída”, costuma dizer em suas pregações.
“Desde que conheci o trabalho de Craig Gross, fiquei empolgado e tentei
contagiar o pessoal da igreja”, relata o pastor Sandro Ricardo Baggio,
40. Ministro ordenado pela Igreja do Evangelho Quadrangular, ele
coordena o Projeto 242. Baggio animou-se com a possibilidade de falar
sobre sexualidade na igreja, onde o tema normalmente é deixado de lado.
“Já fazíamos isso em nossa comunidade local, mas não via ninguém falando
sobre temas assim nas igrejas”, conta.
Dos planos à ação foi um pulo. No ambiente alternativo do Projeto 242 –
uma congregação que reúne músicos, grafiteiros, designers e gente que
faz da criatividade um veículo para a disseminação do Evangelho –, a
idéia germinou depressa. “A curiosidade existe e faz parte do ser
humano. Em algum momento da vida, toda pessoa se torna curiosa em
relação ao sexo”, comenta Baggio. “Quando essa demanda não é atendida na
família e na igreja, a informação acaba vindo de outros lugares. É aí
que se abrem as portas à pornografia.” Ele conta que já aconselhou
muitos casais crentes com problemas conjugais devido ao vício de um dos
cônjuges, ou de ambos, em material pornográfico. “Alguns até se
separaram”, lamenta.
Big Brother do bem – Um dos serviços disponibilizados
aos usuários é um programa de computador chamado X3Watch, disponível
para downloadgratuito. “É um software que possibilita a qualquer um – o
cônjuge, o amigo ou até o pastor – fazer o cadastro de uma pessoa
próxima, passando a receber um e-mail com um relatório mensal sobre os
sites que foram acessados por ela”, explica o pastor. A idéia, que
poderia até chocar muita gente, é uma espécie de Big Brother do bem,
possibilitando um acompanhamento do viciado, ajudando-o a superar a
dependência da pornografia. “Isso ajuda no processo de fuga dessa
compulsão Um dos passos fundamentais do processo é justamente admitir a
fraqueza”, comenta Baggio.
Reconhecer o gosto pela pornografia é justamente o maior drama para
quem freqüenta uma igreja evangélica. “Por não se falar sobre
sexualidade, a igreja torna-se num lugar de intolerância. As pessoas
preferem esconder suas dificuldades ao invés de procurar ajuda”, analisa
o pastor. De acordo com Sâmara, o perfil dos internautas que enviam
perguntas e pedem ajuda é de jovens evangélicos, com idade de 15 a 30
anos. “São pessoas que alimentaram, desde muito tempo, o vício da
masturbação e do envolvimento com material pornográfico como filmes,
contos eróticos, revistas e sites pornôs”, explica.
Quando a situação está fora de controle, é comum que a conversa saia do
computador e vá para o divã. “A maioria dos casos atendidos gira em
torno de lutas na esfera homossexual e da conduta cristã”, conta a
psicóloga. Ela diz ainda que muitas pessoas justificam suas ações e
inclinações pela pornografia devido a problemas no passado –
principalmente, episódios de abuso sexual infantil. “Mas é preciso
deixar as justificativas de lado e caminhar na direção da libertação.”
Para ela, os efeitos da pornografia são devastadores, com reflexos no
ambiente de trabalho, na vida social e nos relacionamentos pessoais.
“Nos casos mais graves, pode-se chegar a extremos, como a prática de
crimes sexuais como a pedofilia”, alerta.
Abalos no púlpito
Nos anos 1980, ele era considerado um paladino da moral e dos bons
costumes. O pastor Jimmy Swaggart, um dos mais importantes
televangelistas americanos, fazia de seus programas, transmitidos para
mais de 40 países – inclusive o Brasil –, uma verdadeira trincheira na
luta contra a carnalidade. Pregador eloqüente e carismático, Swaggart
reunia famílias inteiras diante da TV e era crítico contundente da
pornografia. Ironicamente, caiu justamente por causa dela, num episódio
rumoroso envolvendo prostitutas e uma disputa pessoal com o também
pregador televisivo Jimmy Baker. Proprietário do canal de televisão PTL
(Pray the Lord), com 12 milhões de telespectadores apenas nos Estados
Unidos, Baker acabou se tornando um rival de Swaggart. Tudo ruiu quando
fotos suas, acompanhado de garotas de programa, chegaram à imprensa. Na
época, atribui-se o vazamento das imagens a Swaggart.
O troco não demorou. Um detetive particular contratado por Bakker não
teve muito trabalho para fotografar Swaggart diante de um motel, com o
carro cheio de prostitutas. Sem saída, ele confessou que pagava para que
elas fizessem strip-tease para ele. Perdoado pela mulher, Francis, ele
foi à tevê, chorou e confessou-se arrependido pelo ato. Contudo, sua
reputação e ministério foram irremediavelmente abalados.
No fim de 2006, outro escândalo sexual abalou a Igreja Evangélica dos Estados Unidos. Eleito pela revista Time
como um dos 25 principais líderes cristãos do país, Ted Haggard admitiu
consumir material pornográfico e o envolvimento sexual com um garoto de
programa, que o denunciara publicamente. O caso provocou maior espanto
porque Haggard era uma das principais vozes contra o homossexualismo.
Quem recentemente também admitiu problemas com o chamado mercado de
“conteúdo adulto” foi o pastor australiano Mike Guglielmucci, do
ministério Hillsong. Ele confessou, após dois anos declarando-se vítima
de um câncer terminal – chegou até mesmo cantar com o auxilio de um tubo
de oxigênio –, que sua única doença era o vício em pornografia. A farsa
gerou um tremendo mal-estar no badalado grupo de louvor australiano.
“Eu sou assim, viciado nesta coisa. Ela consome minha mente”, disse, em
entrevista a um canal de tevê.
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