segunda-feira, 5 de março de 2012

Um demônio a beira de ser salvo




  

Notus era um demônio comum como todos os outros.

Ele adorava possuir leitões, e em seus corpos vê-los precipitarem em poças de lama, correrem em meio ao cerrado ou gritarem e girarem malucos pelo chiqueiro afora. Alguns conseguiam quebrar as cercas e fazerem uma verdadeira algazarra. O que fazia Notus morrer de rir.

Na maioria do tempo, Notus vagava por lugares desertos e secos até encontrar um corpo onde habitar. Certa vez ficou quinhentos e sessenta e três amargos anos em busca de um corpo. Mas geralmente em uma ou duas décadas encontrava um pobre coitado qualquer.

Quando os diabos se apresentavam perante Belzebu para adorá-lo, Notus pertencia a uma casta distinta. Os demônios, a grande maioria deles, adoravam Lúcifer, admiravam-no e tinham-no como modelo de maldade e força. Assim todos eles eram quase que apaixonados por Belzebu. Eles amavam Belzebu, e Belzebu os odiava.

Notus e sua legião eram diferentes. Eles odiavam Belzebu. Se pudessem o matariam. Apareciam forçados naquele dia para beijar a mão do Diabo mor, e eram forçados a lamber as solas dos pés daquele nojento Anjo caído. Eles grunhiam, gritavam, fugiam e causavam a maior baderna. Lúcifer apelava para gnomos e titãs que traziam Notus e sua legião a seus pés e ali eram alvos de todo tipo de humilhação. Lúcifer adorava aquele ritual e ver, por fim, Notus e seus comparsas o adorando. Belzebu os adorava.

Passada aquela agonia, Notus, deixava o quinto dos infernos e voltava para o mundo dos humanos, para dar seguida às suas maquinações.

Certa vez entrou no corpo de um jogador de futebol, em pleno maracanã. O camarada driblou quase que o time adversário inteiro e marcou um gol de placa. No dia seguinte a mulher do jogador estava fazendo amor com o próprio cunhado, tudo graças ao dedo de Notus.

Já outra vez ele levou um garoto de rua a consumir crack até sua alma deixar o corpo. Outra vez ele fez com que um fiscal da receita, um senhor já idoso, chegasse a uma propina que ninguém jamais sonhou. Foi no mesmo dia que o seu neto foi diagnosticado com leucemia. E Notus se contorcia de prazer maligno.

Mas nem sempre Notus tinha tanto sucesso assim. Uma noite quando ele já tinha por certo o suicídio de uma menina, vítima de estupro, um padre apareceu na jogada e o fez correr daquela comarca. A menina foi salva.

Num fim de uma tarde de verão, já tinha convidado toda a corja para celebrarem mais um desvio de verba pública por um deputado federal, uma verba destinada a hospitais infantis, quando o homem caiu em prantos arrependido e desfez a maracutaia. Em contrapartida Notus não conseguiu efetuar seu plano para que a filha do político fosse atropelada quando saísse de uma festinha na Asa Sul. O lugar estava lotado de anjos e houve uma grande bate boca entre anjos e demônios, contratos foram lidos e relidos, cláusulas foram lembradas. Tudo terminou numa grande pancadaria. Os demônios saíram com uma pequena batida de carro e ninguém morreu. Notus foi ridicularizado por seus companheiros.

Depois ele descobriu que a empregada do tal político era uma velhinha de uma igreja pentecostal que intercedia pelo patrão.

Notus começou então a infernizar a vida da velhinha. Conseguiu fazer com que o marido, o velho, levasse uma garota de programa para um motel. Mas o velho não deu no coro e a investida não deu em nada. Mais uma vez ele foi ridicularizado.

Foi aí que Notus descobriu que o filho daquela senhora, o Cléber, tinha uma queda por drogas. Juntos eles provaram maconha, cocaína, heroína e todos tipos de chá de cogumelo conhecidos em Brasília.

Numa dessas viagens Cléber viu Notus.

(Continua...)

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