Notus era um demônio comum como todos
os outros.
Ele adorava possuir leitões, e em seus corpos vê-los precipitarem em poças de
lama, correrem em meio ao cerrado ou gritarem e girarem malucos pelo chiqueiro
afora. Alguns conseguiam quebrar as cercas e fazerem uma verdadeira algazarra.
O que fazia Notus morrer de rir.
Na maioria do tempo, Notus vagava por lugares desertos e secos até encontrar um
corpo onde habitar. Certa vez ficou quinhentos e sessenta e três amargos anos
em busca de um corpo. Mas geralmente em uma ou duas décadas encontrava um pobre
coitado qualquer.
Quando os diabos se apresentavam perante Belzebu para adorá-lo, Notus pertencia
a uma casta distinta. Os demônios, a grande maioria deles, adoravam Lúcifer,
admiravam-no e tinham-no como modelo de maldade e força. Assim todos eles eram
quase que apaixonados por Belzebu. Eles amavam Belzebu, e Belzebu os odiava.
Notus e sua legião eram diferentes. Eles odiavam Belzebu. Se pudessem o
matariam. Apareciam forçados naquele dia para beijar a mão do Diabo mor, e eram
forçados a lamber as solas dos pés daquele nojento Anjo caído. Eles grunhiam,
gritavam, fugiam e causavam a maior baderna. Lúcifer apelava para gnomos e
titãs que traziam Notus e sua legião a seus pés e ali eram alvos de todo tipo
de humilhação. Lúcifer adorava aquele ritual e ver, por fim, Notus e seus
comparsas o adorando. Belzebu os adorava.
Passada aquela agonia, Notus, deixava o quinto dos infernos e voltava para o
mundo dos humanos, para dar seguida às suas maquinações.
Certa vez entrou no corpo de um jogador de futebol, em pleno maracanã. O
camarada driblou quase que o time adversário inteiro e marcou um gol de placa.
No dia seguinte a mulher do jogador estava fazendo amor com o próprio cunhado,
tudo graças ao dedo de Notus.
Já outra vez ele levou um garoto de rua a consumir crack até sua alma deixar o
corpo. Outra vez ele fez com que um fiscal da receita, um senhor já idoso,
chegasse a uma propina que ninguém jamais sonhou. Foi no mesmo dia que o seu
neto foi diagnosticado com leucemia. E Notus se contorcia de prazer maligno.
Mas nem sempre Notus tinha tanto sucesso assim. Uma noite quando ele já tinha
por certo o suicídio de uma menina, vítima de estupro, um padre apareceu na
jogada e o fez correr daquela comarca. A menina foi salva.
Num fim de uma tarde de verão, já tinha convidado toda a corja para celebrarem
mais um desvio de verba pública por um deputado federal, uma verba destinada a
hospitais infantis, quando o homem caiu em prantos arrependido e desfez a
maracutaia. Em contrapartida Notus não conseguiu efetuar seu plano para que a
filha do político fosse atropelada quando saísse de uma festinha na Asa Sul. O
lugar estava lotado de anjos e houve uma grande bate boca entre anjos e
demônios, contratos foram lidos e relidos, cláusulas foram lembradas. Tudo
terminou numa grande pancadaria. Os demônios saíram com uma pequena batida de
carro e ninguém morreu. Notus foi ridicularizado por seus companheiros.
Depois ele descobriu que a empregada do tal político era uma velhinha de uma
igreja pentecostal que intercedia pelo patrão.
Notus começou então a infernizar a vida da velhinha. Conseguiu fazer com que o
marido, o velho, levasse uma garota de programa para um motel. Mas o velho não
deu no coro e a investida não deu em nada. Mais uma vez ele foi ridicularizado.
Foi aí que Notus descobriu que o filho daquela senhora, o Cléber, tinha uma
queda por drogas. Juntos eles provaram maconha, cocaína, heroína e todos tipos
de chá de cogumelo conhecidos em Brasília.
Numa dessas viagens Cléber viu Notus.
(Continua...)
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