A jornalista Ruth de Aquino narra na revista Época desta semana seu encontro com o ex-chefe do tráfico de drogas da Rocinha, Antonio Francisco Lopes, mais conhecido como "Nem", dias antes de sua prisão. O encontro aconteceu no dia 4 de novembro, em um campo de futebol na favela da Rocinha, antes que o traficante entrasse em campo. Nem foi preso na noite da quarta-feira, 9.
Wilton Junior/AE |
De acordo com a repórter, Nem é tratado de “presidente” por quem convive com ele. Acrescenta ainda que o criminoso comprou várias casas nos últimos tempos e havia boatos fortes de que se entregaria em breve. Conta também que precisou aguardar por por três horas, tendo sidolevada a diferentes lugares antes de ser levada ao encontro de Nem.
De acordo com ela, quando chegou no campo, o traficante conversava com um pastor e falava para que ele não desistisse de um rapaz viciado. "A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém", afirmou. A reportagem conta ainda que Nem é pai de sete filhos. “Dois me adotaram; me chamam de pai e me pedem bênção”, diz ele. "Não sou o bandido mais perigoso do Rio”, afirmou ainda. Nem não quis gravar entrevista e nem tirar fotos. A repórter afirma ter mantido silêncio até a prisão.
UPPs
A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém
Nem diz acreditar que a a maconha será liberada em menos de 20 anos. "Já pensou quanto as empresas iam lucrar?" O traficante defende também o trabalhos das UPPs. “O Rio precisava de um projeto assim. A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar. Aqui na Rocinha não tem roubo de carro, ninguém rouba nada, às vezes uma moto ou outra. Não gosto de ver bandido com um monte de arma pendurada, fantasiado. A UPP é um projeto excelente, mas tem problemas. Imagina os policiais mal remunerados, mesmo os novos, controlando todos os becos de uma favela. Quantos não vão aceitar R$ 100 para ignorar a boca de fumo?”, questionou.
Mas, segundo ele, "UPP não adianta se for só ocupação policial. Tem de botar ginásios de esporte, escolas, dar oportunidade. Como pode Cuba ter mais medalhas que a gente em Olimpíada? Se um filho de pobre fizesse prova do Enem com a mesma chance de um filho de rico, ele não ia para o tráfico. Ia para a faculdade”.
Beltrame e Lula
Define o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, como “um dos caras mais inteligentes que já vi". E acrescenta: "Se tivesse mais caras assim, tudo seria melhor".
Nem afirma que ele e outros querem largar a vida do crime. "Bom é poder ir à praia, ao cinema, passear com a família sem medo de ser perseguido ou morto. Queria dormir em paz. Levar meu filho ao zoológico. Tenho medo de faltar a meus filhos", diz. "Quero pagar minha dívida com a sociedade”, afirma ainda. "Eu digo a todos os meus que estão no tráfico: a hora é agora. Quem quiser se recuperar vai para a igreja e se entrega para pagar o que deve e se salvar.”
Ele diz ainda não negociar crack, porque destrói as pessoas, as famílias e a comunidade inteira. "Conheço gente que usa cocaína há 30 anos e que funciona. Mas com o crack as pessoas assaltam e roubam tudo na frente”, relata.
O traficante diz que seu ídolo é o Lula, que, segundo ele, é quem mais combateu o crime, por causa do PAC. "Cinquenta dos meus homens saíram do tráfico para trabalhar nas obras. Sabe quantos voltaram para o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil”, conta.
Conta que quando entrou para o tráfico, sua filha tinha 10 meses e uma doença raríssima e precisava colocar um cateter. "O Lulu (ex-chefe) me emprestou o dinheiro. Mas prefiro dizer que entrei no tráfico porque entrei. E não compensa.”
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