Convertido ao Evangelho em 1980, o advogado carioca Hélio Vagner Zagaglia, hoje com 58 anos, foi membro de algumas igrejas evangélicas na maior parte desse período – e membro daqueles atuantes, de frequentar cultos quatro vezes por semana e participar de diversas atividades na esfera eclesiástica. Ao longo dessa caminhada, contudo, alguma coisa mudou em sua mente e no coração. “Depois de 30 anos naquela rotina, confesso que não tinha mais paciência com tudo relacionado ao ambiente religioso”, lembra. A decisão de sair da igreja não foi tão difícil, uma vez que surgiu a partir de convicções pessoais. “Na verdade, a escolha de não mais frequentar uma igreja, que tomei há uns dez anos, ocorreu após uma ampliação da compreensão do termo congregar. Pela simples leitura do Evangelho, entendi que isso, para Jesus, não é apenas ir à igreja”. Na opinião do advogado, qualquer lugar – “Seja o bar da esquina, o prédio do Fórum em que trabalho ou a praia onde surfo” – é propício à comunhão com Deus e junto àqueles que partilham da mesma fé. “O próprio Senhor afirmou que estaria presente quando dois ou três se reunissem em seu nome”, cita.
Quanto às advertências que ouviu, na época, ele se sente tranquilo. “Essa história de que brasa fora do braseiro se apaga e que eu ficaria sem cobertura espiritual longe da igreja perdem sentido, diante da consciência de quem eu sou e de quem Jesus é para mim”, afirma Zagaglia. Ele faz questão de dizer que não tem nada contra a postura daqueles que acham fundamental congregar em uma igreja, no sentido convencional do termo; apenas, não sente mais necessidade disso. “Observo todas as práticas ditas como disciplinas espirituais muito mais agora do que antes – e creio que a razão disso não está em pertencer a uma igreja ou não, mas sim, em uma mudança de entendimento acerca dos significados de tais práticas pela leitura do Evangelho, que faço, por puro prazer, todos os dias.”
O advogado Hélio é parte de um contingente de, pelo menos, 9,2 milhões de evangélicos brasileiros que não mantêm mais vínculos com nenhuma igreja. Os números, aferidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referem-se ao Censo 2010 e está desatualizados –ainda assim, já representam quase 20% do total de evangélicos do país. A particularidade que chama a atenção dos estudiosos e líderes, além do gigantismo da cifra, é a mudança de perspectiva. Antes, o crente que saía da igreja era o chamado “desviado”, visto como alguém que cedera aos apelos do mundo, quase um apóstata. Agora, não: há cada vez mais pessoas que, como Zagaglia, não querem mais fazer parte dos róis de membros das organizações eclesiásticas porque não acham mais necessário, mas garantem continuar crendo na Bíblia e observando as condutas consideradas adequadas a um cristão. É gente que, simplesmente, não tem mais interesse em congregar – a creem que estão muito bem assim.
“Apesar de eu não participar mais das atividades religiosas, nem concordar com maioria das doutrinas da igreja, não me considero afastado da minha relação com o divino. Não perdi minha fé”, afirma o designer industrial David Oliveira Silveira Junior, de 32 anos. Ele deixou para trás 25 anos de vivência na igreja onde fora nascido e criado e se pergunta por que precisaria continuar ali, observando liturgias e comportamentos que “não faziam mais sentido”. David explica que esse processo nunca foi premeditado. “Sendo filho de um pastor, eu só me percebi à vontade para sair quando senti que essa saída era justamente a vontade de Deus, por mais contraditório que isso parecesse.”
Ele e muita gente não veem qualquer contradição entre jogar para escanteio uma das práticas basilares da fé reformada – a inclusão no corpo de Cristo através de sua expressão mais visível na terra, que é a Igreja – e seguir o caminho do Evangelho de forma independente. “Hoje, sinto-me mais próximo e conectado com a natureza da minha espiritualidade. Muito menos santo, muito mais humano”, completa. “Parte dos evangélicos têm adotado o Believing without belonging (“Crer sem pertencer”), expressão cunhada pela socióloga britânica Grace Davie sobre o esvaziamento das igrejas ao mesmo tempo em que se mantêm as crenças religiosas na Europa Ocidental”, destaca o doutor em Sociologia Ricardo Mariano, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Para ele, o aumento do número de protestantes e pentecostais que se dizem sem vínculo institucional é resultado tanto do individualismo como da “busca por autonomia diante de igrejas que defendem valores extemporâneos e exigem elevados custos de seus filiados.”
“IGREJA CANSA”
Os motivos podem ser os mais variados (problemas de relacionamento, desgaste com modelos eclesiásticos engessados e líderes autoritários, cansaço com o chamado ativismo religioso etc). Há, também, demandas mais sutis. “Noto que o comportamento dos cristãos, em particular o dos evangélicos, tem mudado bastante a esse respeito”, diz o psicólogo Antônio Carlos Volpi, que atende como voluntário na Associação Batista Beneficente e Missionária do Ceará. A prioridade, ali, são os atendimentos voltados à ação social, mas ele conta que também conversa com muitos crentes que lhe contam porque desistiram de frequentar igrejas. “Quase todos falam de um esgotamento de expectativas, um ‘fim de linha’ sem um motivo específico. Quando desenvolvemos o diálogo, percebemos que são pessoas que não têm mais objetivos na vida cristã comunitária – e, diante das novas abordagens mais individualistas da fé, não se constrangem em seguir esse caminho espiritual independente”. Desse modo, continua Volpi, a figura de um pastor, ou líder, perde sua importância. “Eles dizem que podem buscar a Deus sem intermediários ou aparatos litúrgicos. É difícil refutar um argumento desses”, reconhece.
Mas, se o termo “igreja” deriva do grego ekklesia, que pode ser traduzido como “ajuntamento de pessoas”, “assembleia” ou, ainda, “chamados para fora”, fica difícil concordar com aqueles que defendem que a verdadeira Igreja de Cristo está dentro de cada um de nós, como diz a gerente de vendas Ágatha Nascimento. Ela é uma das várias pessoas ouvidas pela reportagem acerca da necessidade, ou não, de o cristão fazer parte de uma igreja. Depois de se converter na Igreja do Nazareno do Castelão, em Fortaleza (CE), há 12 anos, ela passou por outras denominações. Agora, segue o Evangelho sem carteirinha de membro, mas com o que declara uma fé “inabalável” em Jesus. “Posso fechar a porta do meu quarto e falar direto com o Pai”, argumenta, citando uma célebre passagem bíblica onde Jesus destaca o poder da oração. “Posso cantar louvores e meditar na Palavra em casa, com minha família. Sinceramente, não me sinto obrigada por Deus a fazer parte de uma congregação. Sinceramente, tenho uma fé mais forte do que muita gente que está lá.”
Em que pese a declaração Extra ecclesiam nulla salus (“Fora da Igreja, não há salvação”), de Cipriano de Cartago, por volta do ano 250 da Era Cristã, as reuniões em templos só começaram a surgir a partir da conversão do imperador romano Constantino, no século 4, quase 300 anos depois que o Cristianismo surgiu. Até então, era nas casas, no campo e até nas catacumbas que os seguidores de Jesus se reuniam em seu nome – isso, quando podiam se encontrar, tal era a perseguição que sofriam. No mais das vezes, a fé era vivida e praticada individualmente ou, no máximo, no seio familiar. E, se a verdadeira adoração – aquela, “em espírito e em verdade” – pode ser feita em qualquer lugar, conforme afirmou o Filho de Deus, a experiência transcendental da fé prescinde do ajuntamento de fiéis. Isso, contudo, não anula a essencialidade da igreja, muito pelo contrário, no entender do pastor, missionário e escritor Sandro Baggio. Ele é um dos coordenadores do Projeto 242, uma igreja de perfil informal e alternativo em São Paulo, com marcada vocação para as manifestações artísticas e a atuação comunitária. “Esse cansaço com a igreja é verdadeiro. A igreja, muitas vezes, cansa, mesmo!”, admite.
Para ele, o excesso de programações, cultos, treinamentos e atividades, além da expectativa de que todos estejam engajados em tudo, o tempo todo, como demonstração de seu compromisso com a visão da igreja e seu vigor espiritual, cedo ou tarde leva ao esgotamento espiritual. “O que mudou foi que muitos, uma vez cansados com sua experiência de pertencimento a uma igreja local, passaram a interpretar que a fé cristã pode ser vivida solo. Isso é um tremendo equivoco, quando comparado ao ensino bíblico. Não há, em local algum das Escrituras, um projeto de espiritualidade que não esteja engajado com uma comunidade de fé. O cristão sem igreja é fruto do individualismo da cultura ocidental.”
Em suas apurações e entrevistas para elaboração do livro Feridos em nome de Deus (Editora Mundo Cristão), a jornalista Marília de Camargo Cesar encontrou gente que abandonou os bancos da igreja depois de serem exploradas, manipuladas e desrespeitadas por líderes inescrupulosos ou teologias equivocadas. “Porém”, avalia, “muitos que não sofreram com tais experiências saem porque acreditam poder cultivar uma comunhão individual com Cristo, sem necessidade de participar de cultos e celebrações formais”. Marília, que é evangélica, reconhece que pode parecer muito confortável buscar a Deus na solitude. “Ali, somos só nós e Deus, sem conflitos indesejáveis com terceiros.”
Mas, são justamente esses conflitos e a necessidade de se compartilhar realidades distintas e dividir os fardos, orando e lutando uns pela fé dos outros, que leva o crente ao que Paulo chamou de “desenvolvimento” da salvação, ela diz. “Muitos dos que saem das igrejas passam a se reunir em pequenos grupos, onde a Palavra é ensinada e uns oram pelos outros. É uma alternativa bastante saudável e, eu diria, quase a mesma coisa que frequentar uma igreja”. A autora, porém, entende que participar de uma igreja ou pequeno grupo é essencial para a caminhada do cristão. “É somente nesse ambiente de contato com pessoas diferentes que nós podemos ser lapidados, amadurecer e crescer no conhecimento da Palavra do Senhor.”
RELAÇÃO FRÁGIL
O cientista social Ricardo Bitun, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, lembra que no protestantismo, historicamente, o pertencimento a uma igreja sempre foi algo básico e muito valorizado. A confissão denominacional fazia parte da consciência cristã do indivíduo, estando ligada à sua identidade espiritual. “O caminho do exercício de uma fé solitária, ou a busca por um algo novo espiritual que o indivíduo não encontra mais na igreja, é tentador e encontra eco em nossa cultura moderna”, opina Bitun, que também é pastor da Igreja Evangélica Manaim, em São Paulo. Porém, esse novo jeito de ser Igreja, não necessariamente através de vínculos de pertencimento, envolve certos perigos, conforme alerta. “Se pensarmos na igreja apenas como o local físico onde nos reunimos, cantamos, temos relacionamentos pessoais e ouvimos pregações, domingo a domingo, mais cedo ou mais tarde nos decepcionaremos com sua rotina”.
“A Igreja, embora não nos salve, é capaz de nos proporcionar os meios da graça. Quem se agrega ao noivo, que é Cristo, não pode deixar de achegar-se à sua noiva, a Igreja”, defende o pastor e escritor Claudionor de Andrade, consultor teológico da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. No Credo dos Apóstolos, ressalta, há um trecho que chama a atenção de todos quantos o leem: “Creio na comunhão dos santos”. Claudionor destaca, ainda, a passagem de Atos 2, segundo a qual os primeiros cristãos estavam sempre juntos e perseveravam, unânimes, no templo, e um dos textos mais citados quando se questiona o valor da igreja: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações, e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima” (Hebreus 10.25).
“Não creio, sinceramente, que os crentes que escolhem sair da igreja estão abandonando o Senhor”, reconhece o presbítero André Luis Garcia Sanchez. “O que percebo é que o tempo e a solidão promovem certo esfriamento da fé, das práticas espirituais, do serviço ao Senhor e ao próximo. Essas brechas fazem com que muitos que tentam viver uma fé longe do corpo de Cristo sofram e até abandonem o Evangelho, em algum momento”. Autor do blog Esboçando ideias e de estudos bíblicos que veicula pela internet, além de professor da Escola Bíblica Dominical em sua congregação, a Igreja Presbiteriana Bela Jerusalém, em Ribeirão Preto (SP), Sanchez tem contato com muitas pessoas – inclusive, aquelas que tentam substituir a comunhão na igreja por assistir cultos online, fazer ação social ou manter contatos eventuais com outros crentes, em ambientes extraeclesiásticos. “Nossa experiência tem mostrado certa fragilidade nesse tipo de ação.”
Em seu livro Gente cansada de igreja (Hagnos), o doutor em História e pastor batista Israel Belo de Azevedo aborda a falta de compromisso, um dos traços da pós-modernidade, como um dos motivos que leva o cristão a deixar sua igreja. “Isso tem a ver com a crise de modelos que vivemos. Uma das marcas do nosso tempo, afinal de contas, é a ausência de compromisso”. Desde 1999, ele pastoreia a Igreja Batista Itacuruçá, uma congregação de classe média no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Vez por outra, é procurado por alguém que demonstra o interesse em sair da comunidade. “Ouço justificativas as mais diversas, desde a busca por novas experiências pessoais, expectativas não atendidas e até dificuldade de adequação a determinadas categorias, além de certo desânimo”, enumera. “Penso que cabe a cada um fazer sua própria avaliação e nem sempre colocar a responsabilidade pelo afastamento nos outros”. Israel Belo enfatiza que a Igreja, mesmo essa que temos visto no século 21, é o meio que Deus escolheu para fazer conhecidas sua multiforme sabedoria e sua vontade ao mundo. “Ela tem uma tarefa, e é preciso que fique atenta ao exercício dessa tarefa. Somente assim, a Igreja vai manter sua razão de ser perante os que estão fora – e, também, para os que estão dentro dela.”
“Eu já fui uma dessas pessoas cansadas de ir à igreja”, testemunha o técnico em mecânica automotiva Joberson Lopes, de 38 anos. Criado na Assembleia de Deus em Brasília, ele começou a se perguntar, por volta dos vinte anos de idade, se valia à pena continuar ali. A imagem pregada lá, de um Deus mau e dominador, além de uma série de “baboseiras religiosas”, como o rigor excessivo em usos e costumes, tirou seu foco. “Preferi ficar em casa ate achar um lugar coerente com minhas convicções”. O tempo e o amadurecimento se encarregaram de mudar sua ótica. “Por eu ter passado por esse caminho, posso dizer que precisamos entender o que é ser Igreja e perceber as diferenças entre ela e a institucionalização religiosa.”
Hoje vivendo na Califórnia (EUA), ele trabalha junto a adolescentes mexicanos pela agência Jovens com Uma Missão (Jocum), depois de ter passado por várias cidades brasileiras e feito missões até na Tanzânia. Joberson, a mulher e os dois filhos frequentam agora a Free Evangelical Church, na cidade de Hamilton. “Muitas pessoas deixam de ir à igreja com motivos coerentes, mas optam pela solução errada”, pontua. “Prezo liberdade e admiro o livre arbítrio, e creio que há pessoas que podem ter plena fé e comunhão com o Senhor sem a necessidade de participar, toda semana, de cultos na igreja. Eu já vivi um tempo assim. O perigo disso é quando somos enganados por nós mesmos, sem percebermos que não conseguimos, sozinhos, manter a disciplina de procurar o Jesus que amamos. Assim, vamos nos afastando, lentamente, de uma comunhão saudável e proveitosa com Deus.
Entrevista com Faustino Teixeira
Para o doutor em Teologia e professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) Faustino Teixeira, a contestação aos modelos convencionais de Igreja é um fenômeno global. Para ele, a multiplicação e diversificação das instituições acarreta, em última análise, mudanças perceptíveis na noção de pertença religiosa – inclusive, a decisão do fiel de não permanecer ligado a uma igreja. “É possível, e viável, que uma vida espiritual madura e autêntica possa ser vivida igualmente em caminhos alternativos”, aponta. O intelectual conversou com CRISTIANISMO HOJE:
CRISTIANISMO HOJE – Na sua opinião, quais os motivos pelos quais tantos evangélicos, atualmente, se afastam da Igreja, optando por viver a própria fé de maneira individual?
FAUSTINO TEIXEIRA – Esta questão da crise das instituições religiosas não é um traço particular brasileiro. O que se verifica é algo singular: uma multiplicação e diversificação das instituições portadoras de sentido e, ao mesmo tempo, uma menor fidelidade a elas. São mudanças bem perceptíveis no campo das filiações tradicionais. De fato, há um cansaço crescente com respeito às instituições tradicionais, uma certa “desafeição” com respeito aos caminhos mais oficiais. Os “evangélicos não determinados” já representam hoje, no Brasil, um percentual de 21,8% do contingente evangélico, algo em torno de 5% de toda a população brasileira. São evangélicos que não se enquadram nos canais tradicionais, sendo chamados por alguns de “evangélicos genéricos”, ou “evangélicos sem igreja”. É algo que indica uma diversificação na própria pertença evangélica.
A recente e crescente contestação aos chamados modelos convencionais de igreja tem adquirido contornos de pós-modernidade, mas pode-se dizer que é fenômeno essencialmente contemporâneo?
As religiões continuam marcando sua presença, não tenho dúvida sobre isso, mas agora de forma distinta, com metamorfoses bem evidentes. E, ao lado das religiões, vemos o crescimento de espiritualidades laicais, que não se encaixam no tradicional perfil religioso. A sede de espiritualidade é, talvez, um dos fenômenos mais característicos de nosso tempo. Ela traduz uma resistência viva aos caminhos da modernidade, pontuada pelo anonimato, pela aceleração impressionante, acompanhada de individualização e burocratização. O avanço da modernidade não produziu um recuo da religião, mas uma outra forma de exercício da dinâmica religiosa. As religiões permanecem, bem como as espiritualidades – em estado crescente –, transformando-se sob o impacto da individualização e da globalização. Como lembrou o historiador francês Frédéric Lenoir, a busca pelas respostas a um mundo de incertezas permaece acesa, mas não mais como no passado, “no seio de uma tradição imutável ou mediante um dispositivo institucional normativo”.
Os cristãos que, simplesmente, optaram por seguir sua caminhada de fé longe da igreja se perguntam para quê precisam dela. A seu ver, ela não é mais necessária nesse contexto atual?
No meu modo de ver, a saída essencial está na busca de uma nova espiritualidade, que saiba conjugar com sabedoria o humus profético e a vida espiritual. Não creio, sinceramente, que o único caminho seja o da vinculação institucional. É possível, e viável, que uma vida espiritual madura e autêntica possa ser vivida igualmente em caminhos alternativos. A vida espiritual é essencial, e que possa ser vivida de maneira cada vez mais holística, integrando o ser humano nessa linda cadeia da vida, em todas as suas formas. Mais importante que a declaração de crença ou ou exercício de exclusividade na pertença religiosa é a disposição dialogal e a capacidade de acolhida do mundo da alteridade.
Crer sem pertencer
São muitos os motivos alegados por aqueles que já não veem na igreja nenhuma essencialidade à sua vida espiritual. Por outro lado, quem não abre mão da frequência regular aos cultos e atividades eclesiásticas faz questão de ressaltar a importância disso para a saúde da fé. CRISTIANISMO HOJE conversou com algumas pessoas sobre o assunto:
“Um dos motivos pelos quais optei pela caminhada cristã fora da igreja foi o alto custo financeiro imposto aos membros das comunidades cristãs. A liderança, neste quesito, não admite discutir o assunto. As regras mudaram: ao invés da fé genuína, o que se exige é uma filiação quase clubista. A instituição não pode tomar o lugar da Igreja, corpo místico de Cristo, nem sufocá-la. Hoje, fora da igreja, posso dizer que vivo minha fé de forma tão intensa quanto na época em que congregava. Minha vida espiritual ficou menos mística e mais racional, mas igualmente verdadeira e sincera”
Edina Cabral, 56 anos, comerciante, que durante mais de 25 anos foi membro de uma igreja evangélica do Rio de Janeiro
“Não entendo como um crente em Jesus pode escolher o caminho solitário, longe da comunhão dos santos. É claro que as igrejas têm problemas, mas as pessoas que alegam isso não se afastam de suas famílias ou locais de trabalho – os quais, certamente, também têm muitos problemas. Para mim, quem age assim não quer admitir que precisa voltar à prática do primeiro amor, que sempre acontece dentro de uma igreja”
Ricardo Augusto Morais, 28 anos, técnico em informática em membro da Igreja Metodista Wesleyana
“A instituição religiosa não é a Igreja, nem ao menos a representa. O corpo de Cristo se compreende não pelo conjunto, mas pelo que está entre cada indivíduo. Exerci o cargo de pastor batista durante 16 anos. Hoje, vivo a ideia de servir ao Salvador e me conecto a ele pela semeadura do Evangelho durante a caminhada da vida, com os pés no chão e longe das manifestações humanas centralizadas ou descentralizadas. Mantenho comunhão com irmãos que também são Igreja, pois faço separação entre esta e a instituição. Sigo a simplicidade do mesmo caminho que foi sugerido por Cristo, na via de Emaús”
João Ruth, 48 anos, é jornalista, apresentador de TV e mora em Cotia (SP)
“Respeito a experiência com Cristo de cada um, já que a conversão é um fenômeno que deve ser vivido individualmente. Posso falar por mim – e, na minha opinião, é impossível viver uma vida cristã, em sua plenitude, longe da igreja e dos irmãos na fé. Conheço muitas pessoas que entraram por esse caminho e depois voltaram machucadas ou com a fé muito abalada. Sinceramente, não aconselho isso a ninguém. Se nenhuma igreja nos serve, o problema está em nós mesmos”
Washington Luiz C. Junior tem 32 anos e é membro da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, em São Paulo, desde a adolescência
“Quando a pessoa começa a se sentir autossuficiente em sua fé, passa a criticar tudo. A igreja e os seus membros já não servem mais, pois se sentem em um ‘outro patamar’ espiritual. A igreja tem seus problemas, mas é através dela que chegamos ao conhecimento do Evangelho. Ela nos fortalece na fé e nos estimula a seguir nos caminhos de Deus”
Maria Luiza Freitas Xavier, professora, crente da Assembleia de Deus em Porto Alegre (RS)
“Eu nunca saí da igreja, mas passei por longo período de crise dentro dela. Precisei encontrar um novo jeito de viver a igreja. Além disso, entendi que as piores coisas do mundo, assim como as melhores, podem ser encontradas nela. Só que eu também descobri que as coisas mais belas do ponto de vista existencial – mudanças radicais de vida, para melhor – acontecem com maior intensidade na igreja. Por isso, ela recuperou, na minha cabeça, seu lugar de agência de transformação no mundo”
Marson Guedes é psicólogo e membro da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo
“Sou cristã e não preciso ir à igreja para continuar seguindo a Cristo. Antes, não pensava assim; só que, a certa altura, tudo aquilo – a estrutura toda, as cobranças financeiras, a pressão por um envolvimento que eu já não queria mais – perdeu o sentido. Quando parei de frequentar os cultos, muitos dos chamados irmãos da fé, que eu tinha como amigos, cortaram relações comigo, como se eu pudesse lhes transmitir algo contagioso. Não sou mais membro de nenhuma igreja, embora, de vez em quando, visite algumas. Jesus continua sendo o Senhor de minha vida. Não sei se, um dia, voltarei a ser membro de uma igreja, mas hoje eu e minha família não sentimos a menor falta disso”
Sônia Rafaella Tourinho da Rocha, 33 anos, é autônoma e foi membro da Igreja Pentecostal da Rocha Eterna, em Campos (RJ), de onde saiu depois de exercer o cargo de evangelista e diaconisa
“No meu ponto de vista, ficar em casa não torna ninguém afastado da fé, mas é perigoso porque a pessoa pode acabar criando um evangelho próprio. Considero importante frequentar a igreja não só pelo fato da manutenção da fé como, também, pelo convívio com um conjunto de pessoas diferentes. Assim, temos de nos adaptar uns aos outros e, juntos, aprender a seguir a Cristo, apesar de nossas diferenças”
Natan Chagas, 28 anos, é auxiliar operacional e membro da Igreja Missionária Evangélica Filadélfia, com sede em Curitiba (PR)
“Não frequento mais uma igreja evangélica. O que vivi e aprendi nela constituiu uma base sólida para minha fé. E só. Agora, estou em busca de uma relação com Deus livre de formalidades, regras, aparatos estereotipados. Cansei de me dedicar e sustentar sistemas que, muitas vezes, só servem a interesses e vaidades pessoais. Quem disse que ministério de louvor, departamentos disso e daquilo e pastores são indispensáveis? Quem disse que os melhores relacionamentos pessoais acontecem dentro da igreja? Sei que há milhões de pessoas boas e sinceras dentro das igrejas. Mas o meu Jesus, aquele que me salvou, está acima disso tudo”
Alexandre Faria de Araújo foi membro da Igreja Ministério Apascentar de Nova Iguaçu (RJ)
Porta de saída
- 87% dos brasileiros se declaram cristãos
- 22,2% (cerca de 45 milhões de pessoas) da população brasileira são evangélicos
- 9,2 milhões deles se dizem “sem vínculo denominacional”
Fonte: IBGE
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