quinta-feira, 23 de maio de 2013

“Ainda que”: a espiritualidade da permanência




O que é permanência? Seria a pura insistência? Seria apenas a postura firme, a radicalidade que não recua? Talvez seja uma mistura de tudo isso, entretanto, prefiro defini-la como "a intimidade das raízes". Permanência é produto da discrição das raízes. Estamos numa sociedade em crise com a permanência. Uma época marcada pela transitoriedade de tudo. 

Observando alguns textos bíblicos, notei a insistência abençoadora do permanecer. A expressão "ainda que" permeia a textura de diversas construções teológicas das Escrituras. Analise, com calma, esses caminhos de permanência:

Em I Coríntios 13, Paulo escreve um dos mais espetaculares textos sobre o amor, marcado pela expressão "ainda que". Seu convite à permanência no amor precisa de eco em nossa espiritualidade monetária da atualidade. "Ainda que" todos os êxtases estejam presentes, sem a permanência do amor, tudo é vazio.

O profeta Habacuque, pontua seu poema (3. 17) com faces magistrais do "ainda que". Ele desafia o processo natural da vida: "Ainda que" a figueira não floresça, nem haja fruto nas vides; "ainda que" o produto da oliveira minta, os campos não produzam mantimento. "Ainda que" o rebanho seja exterminado da malhada e nos currais não haja gado... "Todavia eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação". Sua permanência insiste na alegria quando as estações das crises determinam a esterilidade. Habacuque significa "abraço", é a permanência no abraço de Deus que nos ajuda a vencer dias tempestuosos.

O Salmo 23 também tem seu "ainda que". É a presença que desafia o vale. No vale da suspeita, "a sombra da morte" não tem a última palavra, pois apesar do "ainda que", a presença do Mestre garante descanso. É o pastor que não desiste da ovelha frágil. É o pastor que não comercializa suas ovelhas, mas que protege-as do mal (João 17. 15).

Também tenho minha lista de "ainda que":

Ainda que Deus não responda, permaneço orando, pois falar com o Pai já é milagre da graça;

Ainda que as pessoas mudem, permaneço amando, pois o amor do Pai, em mim, liberta-me para amar sem esperar retorno (João 13. 34: "Como eu vos amei...")

Ainda que sonhos não se realizem, permaneço sonhando, pois a vida sem o ingrediente estimulante da utopia seria insuportável.

Ainda que as flores deixem de nascer, continuarei percebendo as cores da existência e o perfume do amanhã.

Ainda que ninguém leia o que escrevo, permaneço rabiscando páginas que a história guarda.

Ainda que... a fantástica espiritualidade da permanência!

Alan Brizotti

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