quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ternos com e sem ternura-texto lindo da Bráulia Ribeiro

Não gosto dos ternos Armanis requintados, risca de giz, gola da moda, gravatas de seda que enfeitam o congresso. Não gosto de suas camisas combinando, sapatos lustrosos, e já posso imaginar-lhe o cheiro, cheiro caro, cheiro de um Brasil vendido, imoral, que se escarnece de nós, que nos tira o sono.
Não gostei tempos atrás dos ternos do pingüinário religioso que me rodeou em uma conferência que fui, que me olhava sem me ver, eu representando missões, uma parte do evangelho que eles queriam esquecer. De Riachuelos a Boss – tinha de tudo. Não lhes gostei dos escargots, foi-grass, cheiro de gasolina azul nos carros importados, tudo justificado teológicamente, parece que pastores e jogadores de futebol tem aspirações semelhantes. Carrões e mulheres não estão longe de nosso imaginário, a mulher mais um bem de consumo, numa cosmovisão em que Deus valoriza mais as coisas do que as gentes e que como Alá, coa mosquitos mas engole camelos.
Ternos políticos são lascivos por poder, entorpecidos de manipulações, revendem almas, revendem nomes de família. Ternos políticos pavoneam-se pelos corredores de Brasília e aeroportos do Brasil, nos dizendo que não merecemos mais do que temos.
Ternos evangélicos se politiquizam sem politizarem-se, se empulpitam sem nos trazerem mensagens, se apoderam de pessoas, sem ajudá-las. Poder e controle, ao invés de autoridade e amor é o que terno me diz, sem querer querer querendo.
Gostei no entanto de um terno que vi diante de mim numa manhã de sol. Era domingo, dia de ir à praia para os cariocas, ao parque para os paulistas, ou só de sentar na frente da TV ouvindo os intoleráveis achincalhes dos programas de auditório, vendo o time ganhar ou perder mais uma vez no tapete verde. Mas para certos terninhos, graças a Deus é dia de igreja. Passou na minha frente um terno surrado, gola puída de muitos domingos. Seu ocupante vinha de bicicleta, célere, sorriso nos lábios, bíblia na garupa amarrada com elástico.
A Bíblia dele é maiúscula, surrada e onipresente do móvel de fórmica azul da casa, à garupa da bicicleta barra forte, suada de mãos e dedos que dançam nos seus versos, nas suas histórias. Apesar do calor e do suor aquele terno me pareceu lindo, quase dourado de estilista brilhando no calor do sol. Aquele terno representa o não à angústia do brasileiro sem identidade, o encontro do ser humano com o Criador e consigo mesmo. Redenção não só da morte, mas da segregação social, do ostracismo econômico, da incapacidade moral.
Do mesmo jeito também reluzem bonitos os ternos nas cadeias públicos, vistos em cores no filme Carandiru, onde a igreja evangélica significa esta cura social, uma saída ao crime, ilha de alegria no meio do inferno. Não lhe importa a placa, as músicas rasgam o céu, da pregação sai um jorro de esperança sem ponto nem vírgula. É a igreja evangélica luz nas trevas, vida na morte, liberdade na prisão. Igreja evangélica farol moral numa tempestade de relativizações éticas, e vendavais de permissividade.
Como o terno de tergal da nossa igreja evangélica se tornou o Boss- sal sem sabor, não sei. Um dia o terno puído se encontrou com o Armani do poder e gostou de ficar ombro a ombro com ele. Espero o dia em que ele vai sair de lá. O terno que veste o homem da honra e o risca de giz que veste o homem de si não cabem no mesmo lugar.

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