Rubem Amorese
Se Deus quiser, 2016 será, para mim, o ano da verdade. Sou de uma geração em que a verdade importava. E vivo à procura da verdade das coisas. Uma busca meio instintiva e, talvez, quixotesca. A penumbra da política, da ciência encomendada, da ideologia, dos partidarismos, dos modismos, das religiões, das certezas, tudo isso me tira o conforto: Verdade? Mentira?
Parece que a geração atual não se incomoda tanto com isso. Num dia, o ovo faz mal e, no outro, é saudável. Ontem, o aspartame derretia o cérebro e hoje é reabilitado. Café é veneno. Café faz bem. E o chocolate? E o kit de primeiros socorros nos carros? E o indispensável extintor de incêndio? E a verdade?
Eu torço pela desmoralização pública das mentiras e dos mentirosos. Sejam eles mestres, jornalistas, pastores, cientistas, políticos, governos, magistrados ou presidentes.
Abro o jornal e encontro a informação de que uma família americana resolveu deixar o filho decidir se será menino ou menina. E ele, agora com dez anos, ainda está em dúvida. Os pais dizem que ele está feliz. Só reclamam da discriminação no colégio, quando ele resolve que, naquele dia, é uma menina.
Melhor consultar o caderno de ciências. Costumam ser mais verdadeiros. Um estudo realizado na Universidade de Essex, na Inglaterra, diz que não existem mulheres heterossexuais. De acordo com os pesquisadores, elas sempre são bissexuais ou gays, mesmo que afirmem o contrário.
Melhor mudar para a política. E leio: “Um dia a história revelará que não houve mensalão; que o mensalão não existiu”. Procuro outra notícia e leio: “Não há corrupção no meu governo”. Mas, mas...
Melhor voltar para o meu porto seguro: o meio evangélico. Ah, o mundo dos discípulos de Jesus. Mas espere, vejo pastores vendendo água do Jordão para curar artrite. Será? Sal grosso para inveja? Azeite da Terra Santa para orações fortes? Templo de Salomão em São Paulo? Será?
Melhor procurar um belo sermão de inspiração na internet. “Tenho vergonha da igreja evangélica; não quero mais ser chamado de evangélico.” Ai, ai!
Hoje, todos têm a sua verdade. E fazem questão de dizê-la. Muitas vezes, sem cuidado, sem temor. Mesmo entre nós.
Parece que estamos vivendo o tempo de Isaías: “Pelo que o direito se retirou, e a justiça se pôs de longe; porque a verdade anda tropeçando pelas praças, e a retidão não pode entrar. Sim, a verdade sumiu, e quem se desvia do mal é tratado como presa” (Is 59.14, 15).
A velocidade e a quantidade das informações que recebemos e a consequente fragmentação do nosso conhecimento nos levam a relativizar tudo. E acabam por nos empurrar para uma “equidistância” quase cínica de tudo o que se apresente como fato, como verdade. Confesso que me deixei angustiar, ao ver ladrão sendo tratado como herói e bandido como referência nacional. Com direito a ser sufragado nas urnas como representante do povo.
Então, na minha angústia, procurei por Deus em oração e lhe perguntei: “Senhor, a verdade morreu? Perdeu-se na escuridão de uma geração rebelde?”. E o ouvi dizer ao meu coração: “Por que você está aflito, e me pergunta isso? Não estamos nós dois, aqui, conversando? O que mais seu coração deseja? Ande, você, na minha presença”.
Eu entendi. Aquietei-me. E dormi em paz.
• Rubem Amorese é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e também consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese.
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