Eis uma pergunta universal, e atemporal! “Ninguém jamais viu a Deus”, disse o apóstolo João, sugerindo que Deus não é obvio. Com Deus, ensina o apóstolo Paulo afirma que “andamos por fé, não por vista”. O profeta Isaías chega a dizer que Deus é absconditus, isto é, um Deus velado, que se esconde, que não se mostra tão facilmente, somente percebido para aqueles que recebem revelação.
Os homens mais íntimos de Deus conviveram com angustias profundas, e sensações da ausência de Deus: “Como o servo clama pela corrente das águas, assim suspira a minha por ti ó Deus”, suspiravam os poetas bíblicos. “Até quando Senhor? Até quando o Senhor vai manter a sua face escondida, até quando eu vou clamar e o Senhor não vai responder?”, gritavam quase em desespero.
O povo de Israel precisa responder às nações vizinhas que pergutam “Onde está o seu Deus?” E mesmo Jesus, em seu momento de maior agonia, é confrontado com a sensação de ter sido abandonado e esquecido na mais profunda solidão: “Deus meu, Deus, por que me desamparaste?”. A pergunta “Onde está Deus?” é, portanto, uma das mais relevantes que podemos fazer hoje.
O teólogo anglicano John Robinson identifica as respostas mais usuais à questão da presença de Deus no mundo. A primeira resposta que encontramos na Bíblia, diz Robinson, é que “Deus está lá em cima”. O salmista diz que “o nosso Deus está nos céus; ele faz tudo o que lhe apraz”. Jesus nos ensinou a orar ao “Pai nosso que está nos céus”, palavras que sugerem que Deus está lá em cima. A cosmogonia medieval nos ensinou que o céu está lá em cima, a terra aqui no meio, e o inferno lá em baixo!
A noção de que Deus habita lá em cima, resulta numa percepção hierarquizada: o general dos exércitos e seus soldados, o rei e seus súditos, o senhor e seus escravos, o que não deixa de ser verdadeiro. É verdade que Deus está lá em cima! Mas essa não é toda a verdade! Deus está também aqui, disse o profeta Isaías, pois habita o “alto e sublime”, mas também está presente ao lado “dos humildes e quebrantados de coração”. Deus mergulhou para dentro da sua criação quando se fez carne e habitou entre nós. Jesus de Nazaré é chamado Emanuel – Deus conosco! O distante, é também presente.
Falamos hoje de um universo em expansão e em diversas dimensões. Euclides acreditava em três dimensões, enquanto Einstein, a partir de sua teoria da relatividade propôs quatro dimensões. Os cientistas atuais discutem a Teoria das Supercordas e acreditam que são necessárias entre 11 e 26 dimensões para explicar a tessitura do universo: além das quatro conhecidas, algumas outras estariam enroladas e escondidas. Robinson sugere que quando a ideia de “acima, no meio e abaixo” ficou ultrapassada, pareceu melhor dizer que “Deus está lá fora”, isto é, fora do Universo, e não pode ser confundido com ele ou suas realidades espaço–temporais.
Para explicar que Deus não é uma substância material dentro do seu universo – pois “Deus é Espírito”, os teólogos criaram essa idéia de que Deus é transcendente, isto é, Deus é de outra natureza, de outra ordem. Nas palavras de Karl Barth, “Deus é totalmente outro”, absolutamente distinto de toda a realidade criada, e portanto está fora do universo. Isso também é verdadeiro. Mas essa não é toda a verdade, pois a tradição cristã também crê que Deus veio não apenas habitar entre em nós e ao nosso lado, mas também em nós, na pessoa de seu Espírito Santo. Essa constatação levou alguns teólogos, comenta Robinson, a resgatar outra verdade igualmente bíblica: Deus está nas profundezas do ser. Santo Agostinho, em suas Confissões, exclama: “Deus me é mais íntimo que meu íntimo, mais íntimo que eu a mim mesmo”. O mistério que esteve oculto durante os séculos foi revelado, conforme Paulo, apóstolo, e nos trouxe a mais gloriosa esperança: “Cristo em nós”. O transcendente, é também imanente.
Uma vez que “ninguém jamais viu a Deus’, que por sinal é identificado pelo apóstolo Paulo como aquele que “habita em luz inacessível”, buscamos diferentes maneiras de responder a pergunta “Onde está Deus?”. Lá em cima, lá fora, e nas profundezas do ser, são algumas delas. Mas quero sugerir uma quarta possibilidade: Deus está nas relações de amor, porque “Deus é amor”, e portanto, necessariamente um Deus em relação – relacionamento.
Hugo Assmann e Jung Mo Sung desenvolveram o conceito de endomística: “a noção de que Deus e o seu amor se fazem presentes no meio de nós na medida em que amamos e servimos aos pobres e excluídos”. Afirmam que “a presença do amor de Deus em nós acontece no amor solidário ao próximo. Não há uma relação de causalidade entre o que vem primeiro e o que vem depois. Nas palavras de Assmann, “Deus solidário é o Deus em todos e de todos”. A presença de Deus se faz presente em nós quando nos abrimos ao próximo no amor solidário. Somos capazes da comunhão solidária porque o amor de Deus opera em nós. A experiência de Deus é um “acontecimento” onde os “dois amores” ocorrem simultaneamente. O amor solidário com o próximo e o amor de Deus se fazem presentes ao mesmo tempo.
O Deus cristão não vive na solidão: é Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. A comunhão perfeita e eterna de três pessoas em amor. Quanto mais longe estamos uns dos outros, mais distantes de Deus – ou, mais distantes da experiência de Deus! “Ninguém jamais viu a Deus”, disse o apóstolo João. Mas concluiu dizendo que “se amamos uns aos outros, Deus permanece em nós e seu amor está aperfeiçoado em nós”. Deus está também e principalmente no breve instante em que conseguimos sair de cena, matar o ego, e abrir espaço existencial para a Trindade Santa ser em nós e principalmente através de nós. Leonardo Boff observou que Deus não é apenas transcendente e imanente, é também transparente: Deus “sobre todos, em todos, e por meio de todos”.
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