Nasci em 1982. Cinco anos depois de o invicto Galo de João Leite, Toninho Cerezo e Marcelo Oliveira se tornar vice-campeão brasileiro ao cair para o São Paulo nos pênaltis, no Mineirão; dois após as históricas finais nacionais contra o Flamengo, culminando em outro segundo lugar; pouco mais de nove meses passados do Atlético x uFlamengo pela Libertadores no Serra Dourada, com a polêmica arbitragem de José Roberto Wright.
Eu não fazia a menor ideia, mas aqueles jogos que antecederam a minha existência curiosamente a determinavam – ao menos no âmbito esportivo.
Enquanto São Paulo e Flamengo partiram para anos de absoluta glória, em seguida a assinarem algumas de nossas mais marcantes cicatrizes, o Atlético se encaminhou para tempos de suplício.
Engana-se quem pensa que o clube se tornou um coadjuvante sem qualquer expressão. Honestamente, antes fosse esse o problema. O que mais machucava o atleticano era saber de uma grandeza que jamais se confirmava em títulos.
Antes que eu pudesse discriminar claramente as coisas, cresci ouvindo os comentários ao meu redor enfatizando as más jornadas nas semifinais contra Santos (1983), Coritiba (1985), Guarani (1986), Flamengo (1987). A partir dali, entre 1988 e 1990, passei, paulatinamente, a acompanhar por conta própria.
A primeira marca de que a experiência comprovaria o relato veio em 1991, contra – como não poderia deixar de ser – o São Paulo. Um Zetti milagroso seguraria o zero a zero no Morumbi, levando o tricolor à final do Brasileirão com dois empates.
O título da Copa Conmebol de 1992 aliviou a frustração, mas a ridicularização insensata do certame continental – tão ou mais desvalorizado que sua atual versão, a Copa Sul-Americana – me deixava ainda assim cabisbaixo. A Copa da Uefa, equivalente da Conmebol na Europa, não recebia e não recebe este tratamento no Velho Continente.
Então, o drama das semifinais prosseguiu com Corinthians (1994) e aquela que, talvez, foi a mais traumática derrota para mim, para a Portuguesa (1996). Para um sujeito então já jovem, um bocado inseguro e de autoestima combalida, o Galo parecia mais o veneno do que o remédio. Ano após ano, o time me enchia de vida só para, pouco depois, me presentear com a morte.
Campanhas incríveis e jogadores fabulosos foram sugados por este buraco negro que não cessava de eliminar esperanças e acabar com sonhos. O trajeto inglório perdurou contra o Corinthians na final do Brasileirão em 1999 e nas quartas-de-final da Libertadores no ano 2000. E então, a eliminação no “polo aquático” do Estádio Municipal Anacleto Campanella para o São Caetano em 2001. E o Brasiliense (2002) nas semifinais da Copa do Brasil. E… aquilo bastava. Eu continuava sonhando, mas cedi às evidências e à comprovação dos relatos que tanto me perturbavam, e aprendi a não acreditar. O Atlético era sem dúvida apaixonante, mas não era um time no qual se apostar. Um dilúvio, um árbitro com quinhentos cartões vermelhos, um time grande com um elenco estelar, ou um pequeno em raro momento de sua história – a decepção sempre estaria a apenas algumas rodadas ou fases de distância e, inevitavelmente, chegaria. Parecia uma metáfora da vida, mas era talvez justamente da vida que eu quisesse escapar, amando por demais um clube de futebol.
A tríplice coroa do rival (2003) – que ainda que indubitavelmente vitorioso, ao menos no campeonato nacional não chegava tão longe quanto usualmente o fazíamos -, e o rebaixamento em 2005 jogaram uma pá de cal em meu entusiasmo. Não dava mais para seguir com aquilo.
Quando deixei as arquibancadas do Mineirão de Atlético e Vasco no dia 27 de novembro de 2005, receoso de conflitos após o descenso confirmado, lembro-me de abrir a porta do carro e ouvir a torcida cantar o hino do clube no estádio e pelo rádio. Chorei copiosamente e tive a certeza de que amava aquilo, contudo me envolvia mais do que deveria e precisava me afastar.
Prometi a mim mesmo não retornar, mas evidentemente não consegui. A dedicação, todavia, não era mais a mesma. As derrotas já não doíam tanto, nem as vitórias me fascinavam.
Assim foi até 2013 e me lembro exatamente do momento em que a história mudou. Deitado em minha cama, ao lado de minha esposa, com a televisão ligada, mexendo em um iPad e apenas escutando o jogo entre Atlético e Tijuana do México pela Libertadores: tal era o meu desleixo. O pênalti para os mexicanos aos quarenta e sete minutos do segundo tempo rebobinou a fita. Minhas palavras foram: “já vi esse filme” e “não tem jeito com o Galo não”. Ao fundo, o som da torcida cantando “Eu acredito”. Enquanto escutava aquilo, eu me perguntava: “Eles acreditam? Eu não. O que há com esses caras? Deve ser um grupo novo de jovens atleticanos, porque o pessoal da minha época já sabe como essa história vai acabar. Pobres garotos”. E Victor defendeu! Os pênaltis que derrubaram o vice-campeão invicto de 1977 agora levavam o trem de volta aos trilhos.
Renascia também um menino que houvera perdido a esperança, mas não o desejo. Um menino que – como muitos, ao se tornar adulto – passa a não acreditar tanto mais, mas guarda em si uma imensa vontade de fé.
Na fase seguinte, a derrota para o Newell’s Old Boys por dois a zero na Argentina foi o suficiente para acinzentar o mundo novamente. E aquele incompreensível e incômodo grito de “eu acredito” retornaria uma semana depois no Independência. Eu? Não acreditava. E Guilherme acertou um chutaço aos cinquenta minutos do segundo tempo! Nos pênaltis, Jô errou, Richarlyson isolou e a falência se anunciou. Eu ainda não acreditava. E os argentinos falharam, e Victor defendeu a cobrança do excelente Maxi Rodríguez!
O pior havia passado. O Olimpia do Paraguai tinha mais tradição, mas menos time que o Newell’s. E o Galo fingiu de morto novamente e perdeu de dois a zero fora de casa mais uma vez. O drama se reiniciava…
No jogo de volta, muito do tal “eu acredito” e um sofrimento insuportável até o gol de Leonardo Silva aos quarenta e dois minutos da etapa complementar. Prorrogação, pênaltis. Tudo para envolver e trazer de volta aquele que não cansava de se esquivar e não acreditar. O chute na trave de Jimenez sacramentava: a história havia mudado.
Catarse, loucura, esperança, sonho… Volta à realidade, dia-a-dia.
O adulto cético retomava a rotina e se desligava do futebol outra vez. Esse negócio de torcer faz mal ao coração, e a vida e o trabalho já nos são caros demais. É assim que tem que ser. Ou assim seria até o gol de Guilherme aos trinta e um minutos do primeiro tempo das quartas-de-final da Copa do Brasil contra o Corinthians em 2014. O canto do “eu acredito” iniciado no gol anterior, de Luan, não fizera efeito em mim. Descrente, eu dizia “é muito. Quatro é muito!”. Já no segundo, porém, acho que eu acreditava. Ou não. E Edcarlos, de joelho, coxa, barriga, ou todos esses três simultaneamente marcou o quarto e eliminou o Timão! Aquele mesmo de Branco em 1994, Luizão e Edílson em 1999.
O pior havia passado. O Flamengo já não era aquele dos anos oitenta. Lutava contra o rebaixamento no Brasileirão, tinha um elenco limitado. Não obstante, repetiu o feito corintiano na fase anterior: dois a zero no Galo em casa e, no jogo de volta, um a zero com um belo gol de um rapaz petulante que colocava a mão na orelha e pedia para ouvir o grito da torcida, como quem não acreditava no que, outra vez, seria a efetivação do incrível. Pensei – em silêncio, pois ainda não estava disposto a alimentar minhas próprias esperanças, nem anunciá-las à minha esposa: “vai que a história se repete! Esse rapaz vai ficar com cara de tacho”. E ficou! Carlos, Maicosuel, Dátolo e Luan. Galo 4 x 1.
Antes de Corinthians e Flamengo, houve o Lanus. Vitória fora de casa, derrota de virada no último minuto no Mineirão, prorrogação. Perder de 3 a 2 só para virar para 4 a 3 no tempo extra (com um gol contra dos hermanos). Recopa nas mãos do Galo e a despedida do mágico Ronaldinho.
Não há descrente que resista a tantas ocorrências do incrível. Tijuana, Newell’s, Olimpia, Lanus, Corinthians, Flamengo. Finalmente, eu também acreditava.
O time que aprendi a amar e que, em minhas primeiras décadas, dava a vida apenas para tirá-la com a morte, agora anunciava a morte apenas para se afirmar vivo. Um time comum? Não. Uma espécie de bungeejump futebolístico.
Pensei muito antes de afirmar que não havia precedentes disso no futebol, porém, asseguro: não há. Sim, é verdade que todo torcedor vê suas conquistas como as mais especiais de todas. No entanto, você já viu seu time ganhar assim? Eu duvido!
Faltava o Cruzeiro, mas eu já acreditava. Receava, já que via um time gabaritado do outro lado, mas tinha fé. E curiosamente, foi justamente contra o grande rival que o “eu acredito” sequer precisou ser evocado. Foi simples e fácil, domínio absoluto para descansar o coração de quem já enlouquecera tantas vezes antes.
No fundo, sinto-me ridículo; gritando “eu acredito” e confiando naquilo que, por mais que se repita centenas de vezes, não deixa jamais de ser inacreditável. Porém, seria mais estúpido não acreditar. Depois de aprender a não acreditar, aprendi que insistir no ceticismo é apenas ser burro ou pessimista, não cético, tampouco realista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário