Alan Brizotti
O madeiro, o homem, o sangue. Natureza e humanidade num encontro mortal. Um espetáculo macabro, com requintes do absurdo, mas curiosamente proporcionando beleza. Uma sinfonia onde a dissonância produziu melodia. Do embate amargo entre a truculência romana e a disponibilidade intrigante de um rapaz judeu, nasceu o baile da esperança. Coisas de um Deus detalhista, amorosamente artístico. Deus abraçou a cruz, mas permaneceu com os braços abertos, formando assim o majestoso canal por onde angústias e ódios podem esvair-se...
A cruz é o ponto exato da convergência dos contrastes. A mais aguda dor, na mais doce ternura. A mais apavorante cena, no enredo mais lindo. O frágil judeu espancado, revelando o "Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz" (Is. 9.6). No auge das trevas, a luz reclama. No alto da cruz, o Deus solitário grita, mas não é um grito, é meu nome que escapa. Benditos contrastes.
Nos ombros, o peso do mundo. Um caminhar lento, pesaroso, como se milhares de mãos no peito o empurrassem para trás. Ele avança. Sabe que eu preciso. É como o pai que mesmo humilhado na guerra diária da vida, engole calado, sabe que o filho precisa de pão. Quanto mais sobe o madeiro, mais humilhado fica o cordeiro.
Sede. O corpo avista a placa do limite. E já passou. Um líquido horrível apenas destrói o que já está em frangalhos. Fracasso? Não! Triunfo! O mais absoluto triunfo! A chave é virada na fechadura da graça. A porta está aberta. O véu perdeu a legitimidade. Não há mais fronteiras. O servo venceu. O humilhado é digno. Minha alma agora pode adorar. Caiu a cadeia que me sufocava.
Após a ressurreição, ele mantém suas feridas. Um lembrete mudo daquele limite. Ele anda pela vida nos encontros com seus amados. Transmitindo-lhes uma certeza: valeu à pena! Por causa disso, agora estou livre. Posso cruz-ar fronteiras! Posso olhar para dentro de mim. Agora, a Ceia do Senhor tem um colorido magistral: "fazei isto em memória de mim": posso olhar para trás livre dos temores do passado. "Examine-se a si mesmo": posso fechar os olhos, pois sei que os fantasmas dos sonhos mortos já não assustam. "Até que ele venha": posso aguardar o amanhã, o sol já não atrasa.
Como diz a letra de uma música antiga: "Sim, eu amo a mensagem da cruz". A extraordinária beleza da cruz transmite certezas ao meu caminhar. Seu legado anda comigo: perdão, graça, entrega, amor. É libertador ter a certeza feliz do Deus forte nos fracos. O amor é o outro nome da cruz.
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