quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Verdades sobre a Reforma que ainda precisamos resgatar




 Alan Brizotti

Estamos na Semana da Reforma. 31 de outubro de 1517, Wittenberg,  Alemanha. Um novo tempo começava, das ânsias guardadas no cerne de  corações inflamados, surge uma nova forma, Reforma. Como um abençoado  eco de Wycliffe (1328-1384), cujos ossos foram queimados trinta anos  depois de sua morte, e de John Huss (1373-1415), o “ganso” que  profetizou sobre o “cisne”, um tempo de redescobertas começava.


Na  porta da igreja do castelo de Wittenberg, 95 teses começavam a  desmontar uma história de opressão teológica.  A vida de Lutero era  marcada por um demolidor peso de culpa e senso absurdo do pecado, até o  dia em que ele se depara com Rm.1.17, onde sua mente é aberta para a  verdade transformadora da justificação por graça e fé. No século XIX, a  frase mais conhecida da Reforma seria popularizada: “Ecclesia reformata  et semper reformanda est” (“A igreja reformada está sempre se  reformando”).

Quais são as principais verdades sobre a Reforma que ainda precisamos resgatar?

I – O resgate da justificação do pecador por graça e fé

Questão central do Evangelho: Como podemos, míseros pecadores, ser  alvos da graça de Deus? John Stott dizia que “ninguém entende o  cristianismo, se não entende a palavra ‘justificado’".  A justificação  por graça e fé começa onde há libertação dos esquemas de merecimento:  indulgências, peregrinações, penitências, ativismo eclesiástico.

Reafirmar  esse princípio nos leva a desmascarar teologias que priorizam o ter em  detrimento do ser. É o efeito Lutero destruindo a tirania do  merecimento.

II – O resgate da autoridade normativa das Escrituras

A  redescoberta do evangelho tem passagem obrigatória pela oração e estudo  da Palavra. Na época de Lutero, a hermenêutica estava presa aos  esquemas próprios e tendenciosos de interpretação da igreja.  A reforma  afirma que as Escrituras têm autoridade suprema sobre qualquer ponto de  vista humano. Não somos chamados a pregar uma teologia, mas o evangelho!

Lutero  dizia que “no momento em que lemos a Bíblia é quando o Diabo mais se  apresenta, pois tenta nosso coração a interpretar as verdades lidas  segundo nossa própria vontade, e não segundo a vontade soberana de  Deus”.

É preciso redescobrir a centralidade da Palavra.  Reafirmar esse princípio nos leva hoje a questionar nossa hermenêutica, a  assumir uma atitude bereana (At. 17. 10, 11), uma atitude de quem  pensa.


III – O resgate da igreja como comunhão dos santos

Lutero amava a igreja, não queria dividi-la, mas oferecer-lhe um  caminho de cura. A igreja era governada pelo Papa, e não por Cristo.  Somente o clero possuía a Bíblia, isso sem falar no acúmulo de riquezas e  poder da igreja enquanto o povo sofria na miséria (isso lembra alguma  coisa?). Para Lutero, a igreja é o “autêntico povo de Deus”, os líderes  servem à igreja, e não podem se servir dela. Por isso Lutero reafirmou o  sacerdócio geral de todos os crentes – todo cristão tem a  responsabilidade de anunciar o evangelho.

Reafirmar esse  princípio hoje, numa sociedade do egoísmo, do individualismo e da  indiferença, é assumir um chamado ao arrependimento. Esse arrependimento  abrange todos os “caciques denominacionais” que ainda exploravam o  povo, até às mentalidades ingênuas que, por preguiça mental, nunca  progridem na fé.

IV – O resgate da liberdade do cristão

Lutero redescobre o prazer de ser livre. Como somente Deus é livre, ele  nos concede a liberdade por meio de Jesus Cristo (Jo. 8.31,32 e 36).  Lutero perguntava: “para que serve a liberdade do cristão?”, ao que ele  mesmo respondia: “o cristão é livre para amar”. Estamos dispostos a amar  hoje?

Reafirmar esse princípio significa reavaliar todo e  qualquer sistema de submissão opressiva, legalismos asfixiantes,  estreitamentos neurotizantes, experiências carismáticas carentes de  misericórdia, que destroem a liberdade.


V – O resgate da centralidade da cruz de Cristo


Através da libertação em Cristo, o cristão se torna “um Cristo para os  outros”(Lutero), portanto, quem é cristão não pode dominar sobre os seus  semelhantes, sob pretexto algum. Antes, solidariza-se com o sofredor,  ajudando-o a carregar a cruz. Na cruz, o cristão vê crucificado o mundo.  Dela vem a nossa vocação para estabelecer o reino de justiça, igualdade  e paz. É o sinal supremo do amor de Deus.

Reafirmar esse  princípio significa voltar à verdade de que não somos celebridades, mas  servos. Como um cristão do passado dizia, “a vida oferece somente duas  alternativas: autocrucificação com Cristo ou autodestruição sem ele”.

Somos  chamados a discernir o espírito de cada época. Será que estamos  dispostos a assumir o “efeito Lutero” em nossa prática teológica atual?  Que a igreja seja sempre uma “igreja reformada, sempre se reformando”.



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