sexta-feira, 15 de abril de 2011

Mentiras cotidianas

por Zé Luís

-Mãe...me dá outro doce?
-Mas você já comeu 3! Vai te fazer mau...
-Mas eu quero mais! Não me importo...
-Acabou! Pronto... não tem mais...
-Manda dizer que eu não tô!
-Esse carro que você quer me vender: qual o estado dele? Tem muito problema?
-Eu tô gorda?
-Onde estão aqueles dois espiões que sondam Jericó? Diga prostituta Raabe? Você os viu?
Chamou-me atenção no banner do cabeçalho do Mentirinhas, onde há um diálogo entre um macaco e um anjinho, intrigados com um pequenino e simpático ser. Era ela uma “mentirinha”:
-Parece tão inofensiva... - dizia o macaco, enquanto o anjinho respondia, intrigado.
-É...nem parece que é pecado...
Não haveria tanto triunfalismo no meio cristão se nos atentássemos melhor sobre a prática comum desse pecado. Deixaríamos de ter tantos conselheiros santos em nosso meio.
Mentira para muitos é meio de vida, e os mentirosos proliferam e prosperam por uma simples razão: existem pessoas que parecem satisfeitas quando enganadas.
Existem pessoas que mentem compulsivamente para si mesmas: o grande líder religioso que deixou de crer nas convicções que tão apaixonadamente defendeu a vida inteira, por ter feito disso seu sustento e fonte de prestígio, o ácido ateu que se vê diante da irrefutável presença pessoal de Deus, mas por ter no ceticismo seu atributo público mais destacado, continua mantendo-se com esta imagem, evitando o desconforto de ter que admitir que a fé pode não estar tão equivocada.
O cônjuge cristão que permanece casado por conta da interpretação equivocada de algum líder religioso, onde se garante que se deve permanecer na dor de uma relação insustentável para aplacar a ira de um deus que se aborrece com rupturas.
Em nome das aparências, em nome da boa convivência, em prol de manter as coisas equilibradas.
Homens que começaram bem seus trabalhos e ministérios, mas em nome de seu partido, denominação, clube, empresa, fortuna, sedem e compactuam com a necessidade de perverter o ideal inicial, onde não haviam mentiras necessárias para manter a grande roda girando.

As vezes ouço nas orações dos crentes, o clamor pedindo revelações do Altíssimo, gente querendo ouvir de Deus, verdades. Peguei-me rindo de como poderia ser isso, onde o Mestre deixa o posto por um breve instante, e um anjo desavisado, recém-chegado ao setor, se comove com a petição desesperada daquele crente. Inocente, pega o livro onde a vida daquele homem está registrada, e com o microfone que fala ao coração dos homens, empoeirado pelo pouco uso, começa a ler aquilo aque tanto implora:
“...ah, você não vai virar gerente não... nessa empresa...será demitido, o seu amigo Eurico, o espírita, vai assumir o cargo...”
O homem para sua oração, e sente o rosto empalidecer, está ouvindo uma voz,. Apavorado, olha em volta, em busca de outros que pudessem estar ouvindo o mesmo tom. A voz continua, lendo o livro onde a vida do crente está descrita:
“...sua filha vai ter um filho em breve. Teu pastor, embora casado, será o pai. É que ela vai lá, e já o provoca há muito tempo. Sua esposa não esqueceu o ex-namorado, e te ama, apesar de não suportar teu bafo. Ah sim... você nunca pagará aquela dívida, o que causará um afastamento de seus familiares, que te acusarão de ser um “evangélico picareta”. Quanto a voltar a estudar: Você não conseguirá em tão pouco tempo, já que voltará a beber e arrumará um amante... tá bom? Tô com a data de sua morte aqui. Quer saber? Alô?Alô?...”
A voz do anjo cessou, enquanto o homem já tinha as mãos com tufos de seu próprio cabelo, encarando irado a filha e o pastor, que começaram a correr dentro da igreja. O pastor fugia do homem ensandecido, que girava a fivela do cinto, tentando abate-lo como um boiadeiro laça um boi:
-Eu te repreendo satanás... - gritava o pastor, sem entender lhufas do que aconteceu na alma daquele homem.
Na eternidade, Jesus tirara o microfone das mãos do anjo, calculando o tamanho do problema que o desavisado ser divino acabara de causar.
Talvez seja por isso que o silêncio de Deus é tão doído. Ele não é homem para que minta, e ama demais suas criaturas para revelar antes do tempo coisas que atualmente não nos trarão nada além de dor.
Ele tem as respostas. Você está preparado para ouvi-las ou prefere mentiras? Ou silêncio?

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